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Recentemente numa entrevista foi referenciado que o ensino à distância foi um “remendo” para tentar salvar o ano letivo, nunca ouvira até hoje nada mais assertivo. Na minha perspectiva o ensino à distância acentuou as dissimetrias ao nível do acesso à educação.
Infelizmente os discursos de muitos dos professores tendiam em opinião oposta a esta realidade, o que me leva a pensar que efetivamente não têm ou não querem ter, noção da realidade da educação em Portugal.
Num país que alcançou no último estudo da Health Behaviour in School-aged Children, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde, valores tão baixos , não pode ou não deveria ter os principais responsáveis pela educação a terem uma atitude tão falaciosa.
Não se pode fingir que não existem diferenças no ensino nas diferentes escolas deste país, sem mencionar as escolas privadas, onde há controle do trabalho e exigência de resultados.
Infelizmente tenho conhecimento de uma escola, em que durante esta nova realidade de ensino à distância, os professores se descartaram totalmente da sua função, as aulas são repetições dos Power Points do Estudo em casa, não foram realizados exercícios e muito menos avaliações.
Por curiosidade assisti também a algumas aulas da RTP e fiquei perplexa...
Em muitas aulas os professores limitavam-se a ler os Power Points, por vezes demonstrando desconhecimento das matérias lecionadas, e a forma como geriam a aplicação de conhecimentos deixa muito a desejar. Infelizmente não consegui constatar nestas aulas fundamentos básicos de pedagogia.
Para dar um exemplo, numa aula de português foram apresentadas aos alunos questões de interpretação antes da leitura do texto. Segundo fundamentos teóricos para implementar compreensão leitora, esta não é de todo uma boa estratégia. A acrescentar o facto do pouquíssimo tempo dado aos alunos para tentarem responder às questões. Compactuar com esta situação demonstra desconhecimento do tempo necessário para ler, reter a informação e responder.
Possivelmente pais que acompanhavam, ficaram a achar que os seus filhos tinham algum problema, dado o seu tempo de resposta não conseguir bater o tempo olímpico das professoras, que refira-se, só davam a resposta no fim desta já lá estar, não fossem enganar-se, como aconteceu algumas vezes.
Os mais cépticos dirão, é fácil criticar, mas como se poderia fazer melhor?
Os meus anos de experiência em acompanhamento escolar nomeadamente em alunos com dificuldades de aprendizagem permitem-me dar uma possível resposta.
As aulas deveriam primeiramente consistir na explicação de conteúdos teóricos e no final da mesma deveriam ser propostos exercícios/jogos complementares à aquisição das aprendizagens, que seriam corrigidos na aula seguinte.
Outra hipótese seria a articulação com as escolas que implementariam trabalhos com os alunos de acordo com os conteúdos dados. Agora as escolas optarem por repetir o que já foi dito, é como se o aluno estivesse a repetir o ano na mesma semana!
As fragilidades da nossa escola, fizeram-se sentir nesta fase, mais do que nunca, lamento é que infelizmente os mais prejudicados não tenham voz.
A autonomia das escolas, se não for controlada, fará crescer ainda mais as desigualdades educativas entre alunos e não me parece que esse seja um modelo a seguir. Acrescento ainda, que não acredito que contribua para que no futuro haja uma escola inclusiva.
De salientar que no Estudo em casa, não foram criadas aulas para alunos com necessidades educativas especiais.
Sinceramente não consigo perceber por que motivo se torna tão difícil criar um sistema de ensino que seja justo para todos, o que é primordial que aconteça no futuro.
O que sei, é que nem todos aprendem de igual forma e precisamos de criatividade, não de autonomia, para nos reinventarmos e transmitirmos o mesmo conhecimento mas de forma adequada a todos os alunos.
Na minha opinião, considero sinceramente que os currículos deveriam ser revistos, pois é preferível o aluno assimilar adequadamente pouca matéria escolar, do que se ver confrontado com inúmeros conteúdos e não conseguir reter assertivamente nenhuns.
Considero que nomeadamente o ensino do português, deveria sofrer uma restruturação significativa, pois mais do que nunca devemos criar o gosto pela leitura e isso só se faz lendo livros, não excertos de livros.
O ensino do português como está concebido transmite a ideia ao aluno de que não necessita ler um livro inteiro para compreender uma obra ou o seu autor.
Outra questão que me parece crucial é a gestão dos conteúdos. Não me parece razoável que cada escola escolha a ordem pela qual dará os mesmos, chegando a existir na mesma escola professores a leccionarem conteúdos diferentes uns dos outros.
Imagine-se que um determinado aluno, a meio do ano letivo tem que mudar de escola, poderá ver-se confrontado com o facto de estar a assistir aos mesmos conteúdos curriculares que já havia dado ficando impossibilitado de ter acesso a todo o programa. Isto não deveria acontecer.
Culmino com aquilo que considero que faria com que todos cumprissem bem o seu trabalho e que poderia diminuir as desigualdades na educação. O Ministério da Educação elaboraria uma ou duas provas de avaliação com cotações claras e objetivas, para cada disciplina por trimestre escolar e todos os alunos em todo o país fariam a mesma prova na mesma data. Obviamente que as mesmas seriam adaptadas a alunos com necessidades educativas especiais.
Esta prova permitiria que todos fossem avaliados de igual forma. Infelizmente foram inúmeras as vezes que observei os mesmos testes de alunos diferentes, em que uns com mais respostas certas do que outros tinham menos cotação.
E embora saiba que felizmente há muitas escolas a funcionarem muito bem, muitas há que funcionam muito mal, e curiosamente por norma são as que estão situadas em zonas mais frágeis socialmente. Não se pode comprometer o futuro das crianças só porque pertencem a determinada classe social.
Nunca me esquecerei quando trabalhei com um grupo de meninos de etnia cigana, que entraram na minha sala com um ar completamente derrotado e que após alcançarem sucesso ao nível da leitura e escrita, me solicitaram para elaborar um jornal para expor os seus textos, isto porque queriam mostrar a todos naquela escola que conseguiam escrever. Uma criança não deveria ter necessidade de provar nada a ninguém.
Que os pais e alunos deste país tomem consciência que ao descurarem da educação estão irremediavelmente a comprometer o amanhã pois as consequências do que se sucede hoje na educação terá repercussões graves no futuro de toda uma sociedade.
O mesmo estudo que referenciei em cima menciona que os «alunos que gostam mais da escola apresentam níveis mais altos de satisfação com a vida, menor risco de uso de substâncias e melhores indicadores de saúde mental».
Por favor parem de pensar que a escola não é importante e que no imediato o que mais importa é a felicidade das crianças, a escola não pode jamais ser encarada como sinónimo de infelicidade, a escola é o pilar mais forte na construção do futuro.
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